Portugal, a Europa e o Mundo

José Manuel Durão Barroso — Presidente da Comissão Europeia

Grande Conferência Expresso 40 anos/Lisboa

Lisboa, 7-1-2013 — /europawire.eu/ — Caro Francisco Pinto Balsemão,

Excelências,

Minhas senhoras e meus senhores,

Queridos amigos,

É para mim um prazer e uma honra proferir o discurso de abertura desta grande conferência dedicada ao tema “Portugal no Mundo”, no momento muito especial em que o Expresso celebra 40 anos.

Gostaria, em primeiro lugar, de saudar o seu Presidente e fundador, Francisco Pinto Balsemão, caro amigo, e também toda a equipa que contribui para a continuação desta fabulosa aventura iniciada há quarenta anos.

Lançar o Expresso em 1973 constituiu uma poderosa reivindicação de liberdade e de democracia.

Foi uma aposta corajosa, ao abrir o debate de ideias numa sociedade sujeita à censura.

Foi também uma bela aposta profissional, a de promover um projecto completamente inovador e de trazer então à imprensa portuguesa os melhores padrões internacionais.

Minhas senhoras e meus senhores,

Em Outubro de 1968, respondendo a jornalistas franceses que a interrogavam acerca da situação em Portugal, no momento em que Marcello Caetano acabava de ser nomeado Presidente do Conselho, Sophia de Mello Breyner disse-lhes, e passo a citar: “Privar um país de informação é também privá-lo de consciência.”

Alguns anos mais tarde, um público português ávido de informação, e de informação de qualidade, não tardou a fazer do Expresso o semanário de referência da imprensa portuguesa.

E o seu sucesso nunca diminuiu ao longo dos anos, acompanhando as transformações que conheceu a sociedade portuguesa e a própria evolução tecnológica.

E, se me permitem agora dizê-lo numa base mais pessoal – porque realmente sou alguém que gosta muito de imprensa, e visto que foi referida a minha idade, quando o Expresso foi lançado eu já colaborava na imprensa, no República Juvenil e no Diário de Lisboa Juvenil –, eu gostava de qualificar o Expresso como um jornal que pratica a virtude da moderação. Aquilo a que agora mesmo Francisco Pinto Balsemão chamava a sobriedade. E ao dizer isto considero que estou a fazer um elogio, pois parece-me que num país como o nosso em que há uma hipertrofia da crítica, é comum algumas opiniões e os comentários esmagarem os factos. De um modo geral o Expresso tem procurado o equilíbrio e tal é digno de menção pois por essa Europa fora a “tabloidização” da imprensa tem conduzido a opiniões categóricas e definitivas que, por serem excessivas, reflectem um estilo primário e populista que não é seguramente aquele a que o Expresso nos habituou.

Minhas senhoras e meus senhores, o Expresso identificou-se com a democracia, mesmo antes da democracia chegar a Portugal, e também se identificou com a causa europeia ainda antes de o nosso país ter abraçado o projecto europeu. Realmente o apoio à integração europeia de Portugal figura no estatuto editorial do Expresso desde o seu primeiro número. Por isso, parece-me justo dizer que o Expresso foi e é não apenas uma realização portuguesa mas também uma marca europeia pois claramente inspirada pelos valores e princípios europeus que determinaram a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia em 1986. Este foi um momento decisivo da história de Portugal, de que só podemos orgulhar-nos.

E como fiz questão de relembrar recentemente em Oslo, no discurso de aceitação do Prémio Nobel da Paz, nós em Portugal sabíamos que aderir à Comunidade Europeia era essencial para consolidar a democracia no nosso país. O projecto europeu era e é um projecto não só de paz, mas também de liberdade, de democracia, e de solidariedade.

Sabíamos que partilhar um destino comum europeu não significaria a nossa diluição num vasto conjunto mas, antes pelo contrário, encontrar nele a inspiração e força para afirmarmos os nossos valores e defendermos os nossos interesses.

A União Europeia é actualmente, e mais do que nunca, o garante dos ideais da paz, do respeito pelos direitos humanos, da liberdade e da democracia no continente europeu. Os sucessivos alargamentos a novos Estados-Membros comprovam a validade e actualidade do projecto europeu.

Foi isto mesmo que o Comité Nobel da Paz reconheceu ao atribuir essa máxima distinção à União Europeia. E é significativo que o Comité Nobel tenha referido, na motivação da sua decisão, o alargamento da Comunidade Europeia a Portugal, Espanha e Grécia como uma das grandes contribuições do projecto europeu no continente a que pertencemos.

Assim a comunidade internacional envia, através do Prémio Nobel da Paz, uma importante mensagem à Europa: a União Europeia é algo de muito precioso, que deve ser acarinhado. Por isso, queria hoje e mais uma vez, agradecer o papel de todos aqueles que nos quatro cantos do mundo nos apoiaram e nos felicitaram. Entre eles está José Ramos Horta, aqui presente entre nós, ele próprio Prémio Nobel da Paz, que foi uma das personalidades Prémio Nobel que tiveram a ocasião de propor a atribuição do Nobel da Paz à União Europeia. E por isso também o meu muito obrigado.

Minhas senhoras e meus senhores,

Aderir à União Europeia representou, para todos os portugueses, uma mudança formidável.

Em menos de uma geração, a nossa qualidade de vida transformou-se profundamente: a redução da mortalidade infantil e da iliteracia, uma moderna rede de infra-estruturas, investimento em educação e em Investigação e Desenvolvimento.

E nesta conferência de 40 anos do Expresso, vale a pena recordar alguns números. Em 40 anos Portugal passou de 61 doutorados para 8.600; o número de médicos é agora cinco vezes mais do que era em 1973; passou de cerca de 8.000 para mais de 42.000. São, entre tantos outros, alguns dados elucidativos e impressionantes do progresso na sociedade portuguesa.

E para este progresso económico e social e para a modernização do nosso País, foi essencial o papel da Comunidade Europeia, das políticas e dos fundos comunitários. Deixem-me que vos recorde apenas um número: os fundos europeus recebidos por Portugal totalizam cerca de 96 mil milhões de Euros.

A União Europeia tem, pois, estado sempre ao lado de Portugal desde que o país optou claramente pela democracia e a sua solidariedade não é apenas política ou de declarações, traduziu-se e traduz-se de modo muito concreto.

E, contudo, e há um contudo, sabemos que hoje em dia a Europa é olhada com desconfiança por muitos cidadãos portugueses e europeus. As palavras Crise e Europa aparecem sistematicamente associadas. Pergunta-se, será justa esta associação? De que é que falamos quando falamos de Europa? É importante lembrar que a crise financeira, e aquilo que muitas vezes erradamente se chama a “crise do euro,” não foi gerada pela União Europeia, mas sim por dívidas públicas insustentáveis criadas pelos governos bem como por comportamentos irresponsáveis no domínio financeiro e falhas na supervisão bancária a nível nacional.

Digo que chamar “crise do euro” é inapropriado porque na realidade a crise não começou na zona euro. A crise atinge países que não estão na zona euro, e políticas que são essenciais e indispensáveis para o retorno da confiança estão a ser aplicadas quer na zona euro quer fora da zona euro.

Por outro lado, o euro continua a ser uma moeda estável e forte. Não há pois, em rigor, crise do euro, há, isso sim, crise da dívida soberana, há, isso sim, crise do sistema financeiro na Europa e fora da Europa.

A União Europeia não é, pois, a causa desta crise, é, em certa medida, uma vítima da crise. A União Europeia não é o problema, é parte da solução. Mas é verdade que exigências ligadas à moeda única e à integração de economias muito diversas numa mesma União Económica e Monetária colocam desafios específicos no âmbito europeu. E é a estes desafios que temos vindo a dar resposta.

No que respeita ao euro, os profissionais do pessimismo voltaram a enganar-se. Contrariando a maioria dos vaticínios dos analistas de mercado e também de tantos agentes e comentadores políticos, a Grécia manteve-se no euro, e o seu segundo programa de ajustamento começou a ser financiado. Para 2013 a questão que os mercados colocam não é mais, como há um ano se punha, se o euro vai ou não implodir. Penso poder dizer que a ameaça existencial contra o euro está essencialmente ultrapassada. Mas longe de mim sugerir que todos os problemas de estabilidade financeira se encontram resolvidos. Longe de mim pretender ignorar as dificuldades económicas e sobretudo sociais que se fazem sentir em tantos países europeus. Não devemos pois deixar-nos iludir. Há acidentes que podem produzir-se. Em particular é imperioso que todos mantenham a rota do rigor orçamental e das reformas estruturais. Há dificuldades à nossa frente, há muito trabalho ainda por fazer. De qualquer modo, a confiança relativamente à estabilidade do euro melhorou e muito e tal foi possível pela conjugação de vários desenvolvimentos. Não uma, mas várias causas.

Em primeiro lugar, a consolidação orçamental está a ser prosseguida, o que leva os investidores a acreditarem que os governos europeus – e não só os dos países sob programa – estão mesmo determinados a controlar a derrapagem das suas contas públicas;

Um novo sistema de governação das políticas orçamentais e económicas entrou em vigor – aquilo a que no jargão comunitário se chama o “six-pack”, ou seja, um conjunto de propostas legislativas apresentadas pela Comissão que promovem o reforço de integração e de disciplina, nomeadamente uma proposta que cria um mecanismo para lidar com desequilíbrios macroeconómicos, por exemplo da balança de pagamentos;

Por outro lado, muitos países da zona euro, nomeadamente os da Europa do sul, executam ambiciosos programas de reformas estruturais. É o caso de Portugal, mas também de Espanha, Itália, Grécia. Programas esses que são essenciais para a sua competitividade e para o crescimento sustentável;

O Banco Central Europeu anunciou a sua disponibilidade para fazer compras ilimitadas de dívida soberana caso determinadas condições estejam preenchidas. E este simples anúncio teve um impacto extremamente relevante na confiança dos investidores na Europa e fora da Europa;

O Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) foi criado e está operacional desde Outubro. Se lhe juntarmos o que transita da “Facilidade Europeia de Estabilidade Financeira” (EFSF) o “poder de fogo” destes instrumentos é de cerca de 1 trilião de dólares. Ou seja, na zona euro estamos hoje equipados para qualquer crise com sensivelmente o mesmo volume de fundos que o FMI tem para toda a comunidade financeira mundial.

E recentemente deu-se um passo decisivo para a união bancária, com a criação do “Mecanismo Único de Supervisão”.

Muito pois se fez. Poderia ter -se feito mais depressa? Provavelmente. Deveria ter-se evitado muitas das hesitações? Seguramente!

A verdade é que no plano das instituições europeias, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o BCE, nós sempre quisemos ir mais rápido, mais longe e com maior ambição. Mas temos que reconhecer que estes são problemas complexos que envolvem a mobilização de colossais recursos financeiros e que abrangem questões muito sensíveis de redistribuição e tocam também o núcleo duro da soberania dos Estados-Membros. São questões muito difíceis para os 17 países da zona euro, bem como para os 27, em breve 28, Estados-Membros da UE, questões que necessitam de algum tempo para serem decididas.

Mas estamos – talvez não ao ritmo que todos gostássemos, seguramente não ao ritmo que a Comissão apreciaria – a decidir. E é também importante realçar que, apesar de muitas hesitações por parte de alguns governos, os passos dados até agora foram todos no sentido de maior integração económica e institucional, especialmente na zona euro.

Ou seja, contrariando muitas das previsões, o que se passou foi um conjunto de passos para mais Europa e não para menos Europa.

Somos ao mesmo tempo bombeiros e arquitectos. Como bombeiros apagamos fogos. Actuamos na Grécia, Irlanda e Portugal. Estes estados sem a ajuda europeia não teriam podido continuar a funcionar nem a garantir o essencial de muitas das suas funções, incluindo funções sociais. E também apoiamos o sistema financeiro espanhol.

Mas somos também arquitectos, não só lançando o projecto de completar o edifício da União Económica e Monetária iniciado mas não concluído em Maastricht, mas também desenhando os próximos blocos do projecto político europeu.

A união bancária, tal como proposta pela Comissão Europeia, e o aprofundamento da União Económica e Monetária são disto um bom exemplo: acção no imediato combinada com visão de médio e longo prazo.

O Mecanismo Único de Supervisão foi criado em tempo recorde: a Comissão apresentou a proposta legislativa a 12 de Setembro, e em 12 de Dezembro tínhamos acordo político unânime dos Estados-Membros sobre esse novo mecanismo. Mas este é, embora essencial, apenas uma peça da união bancária, que por seu turno se insere no quadro mais amplo de aprofundamento da União Económica e Monetária.

E é sobre isto que estamos a trabalhar neste momento. Participei activamente na elaboração do chamado relatório dos “quatro Presidentes”, elaborado pelo Presidente do Conselho Europeu, por mim próprio, bem como pelos Presidentes do BCE e do Euro-Grupo que discutimos aliás na última cimeira europeia. E os grandes blocos do aprofundamento da União Económica e Monetária estão bem identificados: união bancária, união orçamental ou união fiscal, união económica, devidamente apoiados por um reforço da legitimidade democrática, no caminho para uma verdadeira união política.

O ritmo de progressão não vai ser o mesmo em cada um destes domínios, até porque em muitos deles será necessário uma alteração dos Tratados. Mas penso que não vai ser possível ficar parado. Tenho para mim que a Europa chegou a um momento tal em que se não quiser cair na irrelevância deve aprofundar a integração incluindo ao nível político. Não nos esqueçamos que esta crise tem no essencial como sua origem, para além dos aspectos financeiros, económicos e sociais, uma questão política. É uma questão política aquela que os mercados colocam quando querem ver se de facto os Estados-Membros estão dispostos a fazer tudo o que é necessário para apoiarem uma moeda comum. E na realidade a credibilidade de uma moeda, ao fim de contas, depende da solidez das instituições que estão por detrás dela. Razão pela qual a união política da Europa não é apenas uma reivindicação daqueles que são os mais europeístas, o tradicionalmente chamado movimento federalista. Hoje em dia a união política da Europa é uma necessidade e uma condição indispensável se queremos manter e aprofundar uma união económica e monetária.

O tempo e o modo para realizar este progresso, a caminho da união política, dependem, em muito, das iniciativas das instituições europeias, mas também dependem essencialmente da vontade política dos Estados, dos Governos, da sociedades e dos cidadãos. A este respeito é imperioso que a actual relativa acalmia dos mercados não constitua motivo para que os governos abrandem agora o seu empenhamento no aprofundamento da União Económica e Monetária.

Apesar de o percurso europeu destes últimos anos ter sido algo sinuoso, de algumas hesitações e atrasos, a Comissão Europeia sempre manteve a fasquia da ambição em patamares elevados. Hoje, mais do que nunca, é importante sermos europeus “para todas as estações” e não apenas quando está bom tempo.

Digo isto porque muitas vezes, e faço-o com alguma pena, constato que muitos dos europeístas, e muitos dos europeístas sinceros, reforçam sem querer um eurocepticismo reinante em muitos círculos europeus. Como se já não bastasse o pessimismo negativista dos eurocépticos ou daqueles que praticam a eurofobia, temos por vezes o desânimo e o desalento dos verdadeiros europeus.

Qualquer projecto, para ter sucesso, necessita de uma massa crítica suficiente de apoio. E é por isso que tenho dirigido apelos aos que apoiam a União Europeia, da esquerda, da direita, do centro, aqueles que se revêem neste grande projecto de paz e democracia que é a União Europeia, para que se juntem na defesa daquilo que é um projecto que merece ser acarinhado, nomeadamente quando vemos, vindo sobretudo dos extremos do espectro político, tanto discurso populista, negativista, explorando tendências nacionalistas extremas, que conhecemos bem porque já muito mal fizeram à Europa, incluindo esta parte da Europa.

A verdade, minhas senhoras e meus senhores, caros amigos, é que muitos políticos nacionais, quando as coisas correm bem dizem que o mérito é deles, e quando correm mal a culpa é de Bruxelas. Sim, os governos “nacionalizam” os êxitos e “europeizam” os fracassos. Por isso, não nos podemos surpreender que o apoio à União Europeia e às instituições europeias tenha vindo a decrescer. Apesar disto, é interessante notar, e isto é menos vezes assinalado, que na maioria dos casos o apoio às instituições europeias é superior àquele que é dado aos governos e partidos políticos nacionais.

É importante debater abertamente as razões da crise, para evitar as versões simplistas que hoje em dia prosperam em alguns sectores de opinião europeia. Na realidade a situação é bem complexa e as repostas difíceis. Uns dizem que a Europa só precisa de mais disciplina, mais rigor, mais sanção. Outros dizem que é preciso mais solidariedade, mais flexibilidade. Enganam-se ambos. Precisamos das duas. Precisamos de responsabilidade e solidariedade. É esta a proposta que eu próprio e a Comissão Europeia temos defendido.

Eu sei que é mais fácil propor soluções simplistas. É mais fácil dizer não que articular um sim com condições complexas. Mas se queremos realmente resistir e vencer o discurso primário populista temos de ter a coragem – pelo menos nós os que defendemos a Europa -, de articular com rigor e argumentos racionais aquilo que é um caminho complexo mas que pode ser um caminho de sucesso.

Há também quem diga que o modelo social europeu está morto. Não concordo. Alguns dos nossos Estados-Membros são dos mais desenvolvidos e prósperos do mundo e eles mantêm simultaneamente elevados níveis de protecção social e economias abertas e competitivas, e também um alto nível de diálogo social. A solução não está, pois, em enterrar o modelo social europeu. A solução está, em reconhecendo os imensos desafios que a globalização coloca à competitividade europeia, reformarmos a nossa economia social de mercado. Esta é a visão da Comissão Europeia: uma visão reformista e de solidariedade.

Sem dúvida que o maior desafio actual para as economias europeias é o da competitividade.

Por isso temos vindo a lançar reformas estruturais inadiáveis, por vezes só possíveis pela pressão de mudança impostas pelos programas de ajustamento, mas sabemos que estamos a criar condições para reforçar a competitividade das nossas economias. Criámos redes de segurança no nosso sistema financeiro, que vieram contrariar as profecias da desgraça.

Mas é verdade que muitas vezes o debate político em alguns países europeus sugere que as soluções que as instituições europeias propõem se reduzem à correcção das finanças públicas. Nada de mais falso. Se é verdade que a correcção dos desequilíbrios nas finanças públicas se apresenta como uma “conditio sine qua non” para o retorno da confiança, a Comissão tem vindo a sublinhar a indispensabilidade da combinação de reformas estruturais com investimento. O essencial é o crescimento e daí a importância de instrumentos para a promoção do investimento.

Infelizmente, nem todos os governos europeus dão ao investimento e à agenda para o crescimento a mesma prioridade que lhes atribui a Comissão Europeia.

A proposta da Comissão – o designado Quadro Financeiro Plurianual – reconhece que as acções e políticas a nível nacional devem ser complementadas por maior solidariedade a nível europeu. Responsabilidade e solidariedade, repito, são duas faces da mesma moeda. É por isto que me tenho batido a nível europeu. Por um projecto reformista e solidário. Por uma Europa de coesão económica, social e territorial.

Solidariedade que se traduz necessariamente num quadro financeiro que permita um maior investimento em áreas de futuro como a ciência, a educação e a investigação; ou mesmo das grandes redes transeuropeias.

Solidariedade para continuar os programas lançados por esta Comissão, aos quais dedico particular atenção, tais como o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização que apoia a reinserção de trabalhadores afectados por processo de deslocalização de empresas (de que Portugal tem beneficiado), Fundo, esse que foi criado, aliás, por minha iniciativa no meu primeiro mandato. Ou o Fundo Europeu de Ajuda aos Mais Desfavorecidos que tem sido um importante apoio para os Bancos Alimentares nacionais e que tem contribuído para atenuar a privação material ou alimentar.

Infelizmente alguns governos europeus, com o argumento da subsidiariedade, pretendem agora pôr em causa a própria existência deste fundo de ajuda aos mais desfavorecidos. É por isso que insisto: quando falamos de Europa, de que falamos nós? Falamos da União Europeia e das suas instituições? Ou falamos das posições defendidas por alguns dos seus governos?

Solidariedade, ainda, com todos os Estados-Membros para difundir boas práticas, nomeadamente a implementação a nível nacional da “garantia jovem” que deverá permitir a todos os jovens até aos 25 anos receber uma oferta de emprego, de continuação de estudos, de contratos de aprendizagem ou de estágio profissional, no prazo de quatro meses após terem terminado o ensino ou de terem ficado na situação de desemprego.

A Comissão Europeia apresentou pois uma política clara para um crescimento sustentável, inteligente e inclusivo. O objectivo fundamental é de restabelecer a confiança: a confiança dos mercados, mas também a confiança das pessoas. Sem confiança não haverá investimento, e sem investimento, com certeza, não poderá haver crescimento económico. A nossa agenda para o crescimento, a estratégia Europa 2020, ao estabelecer objectivos comuns inspira e enquadra as reformas a empreender em todo o espaço europeu. É uma agenda baseada em políticas de crescimento sustentável, e sublinho o sustentável, pois, como a actual crise nos ensinou, o crescimento baseado no excesso de dívida pública ou privada é um crescimento artificial que simplesmente não é viável.

Por essa razão, a Comissão Europeia propôs, para o próximo período de programação, a vigorar de 2014 a 2020, uma ligação estreita entre as prioridades de financiamento dos fundos e os objectivos da agenda Europa 2020, uma aposta inequívoca nos sectores produtivos e no aumento da competitividade europeia, sem esquecer a necessidade de adoptar princípios de condicionalidade macroeconómica.

De facto, e procedendo também a um balanço do que foi o último quadro comunitário de apoio, por exemplo aqui em Portugal, se fizermos um balanço dos apoios concedidos a Portugal, devemos reflectir e perguntarmo-nos: será que fizemos sempre as melhores escolhas na afectação destes recursos? As escolhas mais inteligentes do ponto de vista do desenvolvimento e capacitação do país? Este é um ponto importante, precisamente agora, quando estamos a reflectir sobre as opções estratégicas e de financiamento para Portugal e para todos os países da coesão no próximo quadro de apoio.

A Comissão Europeia e Portugal trabalham juntos há vários meses para implementar as reformas necessárias e intensificar os apoios existentes, designadamente através da melhor reafectação dos fundos europeus.

E talvez a primeira prioridade seja a luta contra o desemprego, especialmente o desemprego dos jovens. A Comissão Europeia aprovou o programa “Impulso Jovem”, apresentado pelas autoridades portuguesas, graças ao qual 90 000 jovens portugueses poderão beneficiar de fundos europeus, nomeadamente para fins de formação e de estágio. Espero que agora Portugal execute plenamente o programa, e como sempre contará com o apoio da Comissão Europeia para materializar os apoios da forma mais eficaz e mais célere.

Minhas senhoras e meus senhores,

Caros amigos,

Não deve haver qualquer dúvida de que no século XXI, num momento de globalização acelerada, a pertença a um espaço regional, a um projecto político e económico como a União Europeia, representa um valor acrescentado para cada um dos seus membros.

Já em 1954, Jean Monnet escrevia, e passo a citar: “Os nossos países tornaram-se demasiado pequenos para o mundo actual à escala dos meios técnicos modernos, à medida da América e da Rússia de hoje, da China e da Índia de amanhã.” Palavras de Jean Monnet em 1954.

Hoje, nesta globalização em que temos grandes potências, em que temos gigantes, os Estados da União Europeia, mesmo os maiores, sozinhos, autonomamente, não têm a dimensão para propor ou articular as políticas do futuro a nível global. Mas a União Europeia, com os seus 500 milhões de pessoas, sendo a maior economia do mundo ainda hoje, tem essa capacidade de reforçar a própria expressão dos diversos interesses nacionais.

Por isso hoje, partilhar mais soberania no seio da União Europeia é também recuperar a soberania perdida face aos mercados e face a tendências e fenómenos transnacionais que pura e simplesmente não respeitam as fronteiras do chamado Estado-Nação.

É importante que cada um de nós faça ouvir melhor a sua voz. E a voz de Portugal é uma voz importante.

É uma voz de que a Europa precisa. A voz de um país cuja língua é falada por cerca de 280 milhões de pessoas em todo o mundo. Um país que mantém desde há muito tempo relações estreitas com várias partes do mundo que actualmente conhecem algumas das mais notáveis evoluções.

E a Europa em que acreditamos não é certamente apenas um grande mercado, mas sim uma União Política. Não é uma Europa fechada sobre si mesma, mas uma Europa aberta aos outros.

É uma Europa que, sem arrogância mas com toda a confiança, se afirma num mundo cada vez mais interligado e cada vez mais competitivo. Uma Europa capaz de nele defender e promover os seus valores e os seus interesses.

A entrada de Portugal na União Europeia foi um elemento enriquecedor para a União Europeia. Portugal sem dúvida que beneficiou, mas também tem dado muito à Europa, não só para o reforço do projecto comunitário – e é significativo que se designe como Tratado de Lisboa a lei fundamental da União Europeia – mas também na capacidade que Portugal trouxe de interlocução acrescida com partes do mundo com as quais o nosso país tem um relacionamento privilegiado, da América Latina à África e ao Mediterrâneo.

Portugal veio dar maior dimensão e profundidade estratégica à nossa União. Veio contribuir para uma União mais aberta e voltada para o mundo que a rodeia. Este é também um dos meus objectivos enquanto Presidente da Comissão e orgulho-me das iniciativas que lançámos em conjunto.

Para dar dois exemplos concretos, foi em Lisboa, sob a Presidência portuguesa da União Europeia, que decorreu, em Julho de 2007, a primeira Cimeira União Europeia – Brasil, celebração onde foi incluída uma parceria estratégica entre as duas partes. Tinha estabelecido esta como uma das minhas prioridades quando cheguei à Comissão em 2004 na área das relações externas, uma vez que o Brasil era então o único dos ditos BRICs com o qual não se havia ainda acordado esse tipo de parceria estratégica. E trabalhando em articulação com a presidência Portuguesa do Conselho foi possível alcançar este objectivo.

Foi também em Lisboa, ainda sob a égide da Presidência do Conselho por parte de Portugal, que uma nova página se abriu nas relações entre a União Europeia e África. Sete anos depois da primeira cimeira histórica UE–África, a cimeira do Cairo, na cimeira de Lisboa adoptou-se uma estratégia conjunta para uma relação de igual para igual, reconhecendo que compete a cada um tomar conta do seu destino, mas que a África e a União Europeia podem fazer e devem fazer muito mais em conjunto, nomeadamente afirmando uma responsabilidade e solidariedade comuns para a paz e a segurança, para o Estado de direito e para o direito ao desenvolvimento.

Minhas senhoras e meus senhores,

Caros amigos,

Portugal e o mundo: esta é uma história antiga de muitos séculos. A história das Descobertas e da aventura marítima. A história de um povo que alargou o mundo e aproximou os homens.

Portugal e o mundo é hoje uma história que passa pela União Europeia.

O nosso mundo é o mundo da globalização. Com a Europa criamos e mantemos a plataforma indispensável para que um país como Portugal possa projectar-se nesta globalização. As ajudas financeiras e o programa são disso expressão. Permitem ao nosso país não se isolar na resposta à crise, como foi por exemplo o caso na Primeira República, em que uma crise financeira levou à tragédia que se conhece. A solução europeia é uma solução que permite sair de uma situação difícil em articulação com os seus vizinhos e parceiros.

Mas agora, que fazer desta oportunidade? Porque na realidade uma crise como esta é algo que não deve ser desperdiçado. A crise é uma oportunidade para definir o rumo do país, da sua sociedade, da sua economia. E é esta resposta que a Europa não pode dar e que o mundo não pode dar. É uma resposta que só os portugueses podem dar. O que é eles querem fazer agora? Como é que eles querem rasgar o horizonte além das actuais dificuldades, além do actual programa?

E é por isso que, se me permitem uma reflexão muito pessoal para terminar, fico por vezes surpreendido ao ver que o debate do nosso país está de tal maneira concentrado no curto prazo, e que não se reflecte suficientemente nas oportunidades imensas que a resposta a esta crise pode abrir, está a abrir, a um país como o nosso. É pois necessário ultrapassar o tal conservadorismo estrutural, é necessário aproveitar esta oportunidade para reformar o nosso país, e isso pode e deve ser feito no quadro da União Europeia.

E é a esta União Europeia solidária e aberta ao mundo, a esta União Europeia da Paz, da Liberdade, da Democracia e da Justiça, é a esta União Europeia que eu espero que Portugal continue a dar o melhor do seu apoio, da sua energia, da sua inteligência, eu diria, da sua intuição como país que ao longo da sua história já ultrapassou muitos obstáculos e que vai seguramente vencer os desafios actuais. E a União Europeia continuará ao lado de Portugal e dos Portugueses.

Muito obrigado pela vossa atenção.

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